Sentido da Vida e Aposentadoria

Sentido da Vida e Aposentadoria

Sentido da Vida e Aposentadoria

Vera Regina Roesler CRP-DF 19.925

  • Qual é o sentido que você dá à sua vida? – questionou-me certa vez uma pessoa significativa em meu círculo de relações. Antes de qualquer possibilidade de reação de minha parte e aparentemente decidida a me provocar, continuou suas interrogações:
  • Afinal, você vive para quê? Você se realiza com quê? O que realmente importa para você e se faltasse lhe causaria imensa tristeza?

Seu olhar fixava meu rosto e ela parecia decidida a provocar certo desconforto ou desequilíbrio, deixando minhas supostas certezas presas somente por alguma teia invisível. Engoli em seco e procurei formular algumas frases coerentes para responder. Afinal, era uma pessoa importante para mim e não gostaria de desapontá-la. Encontrei certa dificuldade. Não havia pensado nestas questões, pelo menos não de forma sistemática, que me permitisse clareza na elaboração.

  • Qual é o sentido da minha vida? – repeti mentalmente.

Tenho um projeto e isto está claro: trabalhar com pessoas, auxiliando-as a superar dificuldades, principalmente sociais e emocionais. Realizar esse projeto implica trabalhar. Certo. Até aí nenhum problema. Mas, será que trabalharei até o fim de meus dias, como inúmeras pessoas que conheci? Ou em algum momento me desvincularei das atividades profissionais? Mas se for assim, farei o quê de meus dias sem o trabalho? …

Questionamentos e mais questionamentos, sem respostas específicas. Confusa, emocionada, insegura e ansiosa, recebi um longo abraço e me deixei ficar naquele gesto de afeto e compreensão. Ela já havia passado por situação idêntica e estava me provocando com certa antecedência para que eu pudesse pensar à respeito e tomar algumas providências.

Este exemplo mostra uma situação que não se relaciona exclusivamente a mim. Em pesquisas e atendimentos clínicos realizados por nós, profissionais da equipe do Instituto de Neurociências de Brasília, , confirmamos algumas questões que, via de regra, permanecem submersas ou deliberadamente esquecidas em nossos cotidianos “cheios” de compromissos ditados principalmente pelo trabalho e cuidados com a família.

Durante o período laboral priorizamos questões consideradas (em nossa cultura) fundamentais: precisamos ser produtivos, ter um bom emprego, desenvolver uma carreira profissional que nos traga reconhecimento e retribuição financeira, possuir remuneração condizente com nosso desejo de propiciar boas condições de vida à família etc., etc. O tempo é escasso diante da quantidade de tarefas. Necessitamos também cuidar da saúde, conceder espaço para o lazer, cultivar relações sociais, administrar nossas finanças, buscar cursos e outras formas de aprimoramento e atualização. A lista pode receber novos itens a todo instante, sem esgotar-se.

A partir dessas evidências percebemos que o trabalho permanece central na vida humana. É o espaço de constituição identitária: sou fulano – administrador, economista, engenheira, advogado, professora etc., da instituição ou da empresa tal; é o lugar por excelência de socialização, no qual construímos a maior parte das relações profissionais e de amizade; é onde encontramos realização e reconhecimento e, ao mesmo tempo, frustrações, sofrimento, angústia e adoecimento. É justamente desse trabalho que nos liberaremos pela aposentadoria – de seus aspectos positivos e negativos. Na maioria dos casos, as expectativas por deixar de obedecer regras e horários impostos pela empresa ou instituição são vividas paralelamente às dúvidas e medos diante das possibilidades que se avizinham; afinal, romper com determinadas rotinas não é tarefa simples.

Estamos falando do futuro – incerto, repleto de questionamentos: como serão meus dias sem a obrigação de trabalhar diariamente? Viajar, visitar amigos e parentes, conhecer novos lugares, praticar atividades físicas regulares, dedicar-me às atividades esportivas, artísticas ou outras… mas, será que preciso tanto assim de tempo livre? O que farei com as horas de tantos dias sem as obrigações ditadas pelo trabalho? Será que conseguirei me adaptar à nova vida? Meus amigos continuarão me convidando para as comemorações na empresa, ou em seguida me esquecerão? Enfim, a lista de perguntas é longa e as respostas somente poderão ser encontradas a partir da análise da trajetória sócio-histórica de cada pessoa. Não há padrão que sirva para compreender os sentimentos vividos por cada um no momento de fazer a escolha por deixar aquele emprego/trabalho, permanecer na organização ou trocar por outra atividade, remunerada ou não.

Para alguns, continuar trabalhando é a solução, mesmo sem necessidade de auferir renda extra. São pessoas que deixam em suspenso as dúvidas ou então, de maneira muito clara, fazem a opção pela aposentadoria-atividade profissional, como é o caso de milhares de aposentados no Brasil.

As transformações advindas juntamente com o processo de aposentadoria são complexas e envolvem diversos aspectos da vida: em termos biológicos, o envelhecimento, a menopausa para as mulheres e a andropausa para os homens, a possibilidade do surgimento ou do agravamento de algumas doenças crônicas e a necessidade de cuidados intensivos com a saúde; no campo financeiro, a redução de receitas e o incremento de despesas, principalmente relacionadas a tratamentos médicos, fisioterapêuticos e outros, bem como às possíveis atividades de lazer; em termos sociais e familiares, a saída dos filhos de casa, cuidados com pais enfermos, chegada de netos, perda de pessoas próximas, redução de atividades de socialização, como a participação em eventos da empresa e outros. Além desses fatores citados, temos outros e todos afetam o funcionamento psíquico da pessoa que vive essa fase de transição do trabalho para o não trabalho.

Em nossas pesquisas e atendimentos clínicos observamos que, quando a aposentadoria se aproxima, algumas pessoas surpreendem-se diante das interrogações relativas ao futuro. Decidir deixar um emprego/encerrar uma carreira profissional e tudo o que sua rotina representa é uma experiência desafiadora. Assim, é frequente encontrarmos trabalhadores já aposentados ou em vias de se aposentarem vivenciando conflitos e contradições diante desta transição. A ansiedade é um dos sintomas fortes que demarcam este período.

Desta maneira, o momento da aposentadoria, seja ela desejada ou temida, se constitui em espaço importante para reflexão acerca da história de vida individual e coletiva, em seus aspectos psicológicos, históricos e sociais. A questão central para cada um nesta transição é: o que constitui a trama de minha história? O que posso imaginar para meu futuro? Qual será minha nova identidade? Como poderei manter meus laços sociais e tecer outros?

Buscando pistas para responder a tais questões, a pesquisa da qual resultou minha tese de doutorado e o livro de mesmo título –  “Posso me aposentar de verdade. E agora ?” – oferece algumas reflexões acerca desse momento que é, ao mesmo tempo, universal e singular. Em nosso trabalho, oferecemos a possibilidade de explorar sua histórias de vida e a “re-tratar” a partir de um novo significado, em uma temática específica de aposentadoria-projeto.

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