Assédio Moral no Trabalho
Assédio Moral no Trabalho
Como a devastação do outro, continuada, é possível sem que
isso suscite a indignação coletiva?” (Herreros, 2012)
Vera Regina Roesler
O que é?
Uma das formas de violência nas relações de trabalho, caracterizada pela repetição de comportamentos discriminatórios, constrangedores, humilhantes e desqualificadores de um trabalhador ou de um coletivo. Amedrontar, ameaçar, punir, ofender, ridicularizar, inferiorizar e desestabilizar emocionalmente um sujeito causam adoecimento psicofísico, degradam o ambiente laboral, afetam o desempenho e, consequentemente, os usuários dos serviços e os resultados da organização.
Ações diretas: acusações infundadas, gritos, gestos grosseiros e/ou violentos, denominações pejorativas, comparações com o intuito de denegrir a imagem, críticas e humilhações em público.
Ações indiretas: excluir da comunicação com os demais membros do grupo, atribuir tarefas/atividades além ou muito abaixo das condições do trabalhador, isolamento, disseminação de fofocas e boatos objetivando minar a imagem profissional do outro.
- Atos isolados não se caracterizam como assédio moral. Abusos frequentes, reiterados, associados a outras ofensas, com o objetivo de fragilizar o trabalhador são considerados assédio moral.
“É uma descida ao inferno que não acaba nunca, que leva à depressão e, em alguns casos, ao suicídio.” (Anne-Véronique Herter, 2017)
Objetivos
- Desestabilização emocional;
- Desqualificação profissional (principalmente em disputa por cargos e posições de destaque);
- Forçar o sujeito a pedir transferência ou demissão ou aposentadoria;
- Tornar o sujeito dócil e passivo, por meio do medo (de perder sua posição ou emprego), para que aceite sem questionar (e execute) certa condições de trabalho, ordens e atividades fora do padrão esperado, ocasionando conflitos morais no sujeito que as executa.
Assédio Moral Institucional
As ações que podem ser caracterizadas como assédio moral no trabalho, nem sempre são intencionais. Em determinadas situações, os agressores simplesmente repetem padrões de comportamentos com abuso de poder e humilhação, praticados ao longo do tempo e tornados “normais”, como se fosse a única maneira de atingir metas estabelecidas pela alta direção.
São práticas abusivas, cujo objetivo é aumentar/maximizar a produtividade e manter o controle dos quadros de pessoal. Podemos citar, como exemplo, o estabelecimento de metas acima da capacidade do sujeito ou do grupo (por insuficiência de condições para seu cumprimento – recursos materiais, número de pessoas e contexto em que a organização está inserida), cobranças abusivas e persistentes, classificações e publicização de quadros com pontuações/resultados individuais dos trabalhadores, estímulo à competição entre os pares.
São as “novas formas de administrar o trabalho: mais com menos”. É o que alguns pesquisadores chamam de “gestão por humilhação”, “gestão pelo medo”, “gestão por estresse”, dentre outras denominações. (Heloani; Barreto, 2018).
Marie-France Hirigoyen (1998) cita a “gestão por injúria”, caracterizado como o “comportamento despótico de certos administradores, despreparados, que submetem os empregados a uma pressão terrível ou os tratam com violência, injuriando-os e insultando-os, com total falta de respeito”.
Quem São as Vítimas?
Alimenta-se o mito de que as vítimas são pessoas frágeis emocionalmente ou com algum distúrbio e, portanto, mais suscetíveis ao sofrimento no confronto com chefias ou colegas mais impositivos. Pesquisas realizadas há décadas comprovam que não necessariamente é isto o que ocorre. As vítimas geralmente são pessoas que apresentam algum tipo de comportamento ou postura percebida como ameaçadora ao poder ou à manutenção da imagem do opositor, que não aceitam caladas todo tipo de ordens ou imposições, que confrontam e provocam reflexões (individuais ou coletivas), não se submetem passivamente. São consideradas “empecilhos” à pretensa ordem estabelecida.
Podemos pensar em pessoas vistas como “os diferentes”. São os mais fracos, lentos, desprovidos das características alardeadas como as competências máximas necessárias para um trabalhador: velocidade, flexibilidade, capacidade de assumir inúmeras tarefas ao mesmo tempo e de extrapolar seus limites humanos; dóceis no momento de aceitar as injunções paradoxais e, ao mesmo tempo, agressivos no combate – seja no mercado ou na disputa por posições hierárquicas na organização.
Além desses, majoritariamente são vítimas as mulheres, os negros, os gays e transexuais, os idosos (considerados obsoletos), os que apresentam qualquer tipo de problemas de ordem psicofísica e social (não adaptação fidedigna ou resistência às regras estabelecidas).
O Que Não é Assédio Moral no Trabalho?
De acordo com a Cartilha Assédio Moral no trabalho: uma violência a ser enfrentada, editada pela Universidade Federal de Santa Catarina e organizada por Tolfo e Oliveira (2013), não se caracterizam como assédio moral no trabalho:
- a) Situações eventuais de humilhação ou de constrangimento não são consideradas assédio moral, embora possam causar danos morais (passíveis de interpelação judicial). É necessário a repetição do comportamento de violência psicológica, moral, física ou ética.
- b) Exigências profissionais: todo contrato de trabalho prevê atividades, exigências, obrigações a serem cumpridas pelo trabalhador. Há expectativas por parte do empregador, que devem ser explicitadas e coerentes com o cargo/função assumida. Cobranças coerentes, críticas objetivas, avaliações sobre o trabalho e/ou comportamentos específicos são esperadas, desde que executadas de forma explícita e não vexatória, a partir de critérios conhecidos, claros e de acordo com as condições oferecidas ao grupo.
- c) Conflitos: caracterizam-se pela possibilidade de as partes envolvidas manifestarem suas opiniões, posicionarem-se acerca de uma situação ou atividade, sem ofensas ou retaliações. Como exemplo, os autores citam remanejamento de trabalhador ou chefias, novas estratégias da organização, transferências de atividades, novos cargos ou funções etc. Os conflitos não resolvidos, com o passar do tempo podem evoluir para casos de assédio moral.
- d) Más condições de trabalho temporárias, para enfrentar determinada situação emergencial, não são consideradas assédio moral. No entanto, se trabalhadores são submetidos a condições diferentes dos demais, no intuito de puni-los, isolá-los ou desqualificá-los, podemos dizer que se trata de assédio moral.
O Que Podemos Fazer?
Uma das características do assédio é seu caráter sigiloso, subterrâneo, que protege principalmente os agressores. Ponto fundamental a ser abordado, pois geralmente todos percebem o que está acontecendo, mas é como se houvesse uma neblina encobrindo, impedindo a palavra e as ações de proteção a um ou mais colegas. O medo se estabelece e o grupo se cala: cada um tenta se proteger individualmente. Na medida em que ocorre o desvelamento desses casos e as partes envolvidas encontram o olhar/avaliação de toda a estrutura organizacional, entendemos que o processo tende a ser contido.
Via de regra, trabalhadores (detentores de cargos de chefias ou não) que adotam práticas violentas em sua relação com os colegas, ao saberem que são observados tenderão a conter seus ímpetos, cientes das consequências de seus atos.
As vítimas, por sua vez, terão a segurança de contar com as providências da Instituição: apoio necessário e, ao mesmo tempo, inibição de tais práticas.
Assim, entendemos que algumas ações pontuais podem ser adotadas:
- a) Solicitar à empresa que explicite, torne público de maneira insistente, os comportamentos e atitudes que são passíveis de classificação como violência de qualquer ordem, incluindo assédio moral e sexual: mensagens na intranet e outros aplicativos utilizados pela Caixa, avisos impressos afixados nas unidades, reuniões com as chefias e empregados alertando para a prevenção e cuidados necessários para os casos existentes. Relatórios com os resultados alcançados.
- b) Solicitar aos órgãos competentes da organização respostas rápidas e efetivas, com orientação precisa aos empregados que realizam as denúncias. Ao mesmo tempo, solicitar a adoção de medidas imediatas, de forma a proteger os coletivos de trabalhadores. A demora na verificação e a ausência de manifestação/posicionamento permitem a certeza de inimputabilidade aos agressores e agressoras, ampliando o sofrimento das vítimas, no individual e no coletivo.
- c) Exigir o cumprimento dos normativos, no que diz respeito ao afastamento de pessoas cujos comportamentos são incompatíveis com o Código de Ética da organização, seja na qualidade de gestor ou não.
- d) Promover espaços de discussão acerca das condições de trabalho e de saúde, bem como das consequências do modelo de gestão adotado pela organização.
- e) Contatar instituições como OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Ministério Público do Trabalho, Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, ANJ (Associação Nacional de Jornalismo), Sindicato e Associações de Pessoal (dentre outras), objetivando: 1) ampliar/proporcionar respaldo às pessoas que sofrem com as situações de violência no trabalho; 2) tornar público a observação de entidades externas à organização, no que tange às ações adotadas nesses casos.
- f) Assim como são divulgadas as melhores práticas de gestão, entendemos que todo tipo de ocorrência que cause danos aos trabalhadores deve ser publicizada, criando-se, se for possível, um “cadastro negativo” individual ou coletivo, com a finalidade de expor as informações acerca dos processos de assédio moral e/ou sexual no ambiente de trabalho. Ressaltamos o cuidado para não expor, no primeiro momento, as partes envolvidas (vítimas e assediadores), agilizando os processos de apuração.
Para ilustrar, relato de um caso
Maria das Dores, 35 anos, nascida em família humilde na periferia de uma grande cidade, desde a adolescência tinha como objetivo ultrapassar a situação familiar de precariedade e escassez. Aprovada no concurso de um banco público, ingressou cheia de sonhos. Trabalha em uma unidade que exige conhecimentos especializados, de acordo com sua formação superior. Continuou estudando, cursou pós-graduação na área, no intuito de melhorar seu desempenho. Casada, com dois filhos pequenos, Maria é arrimo de seus pais.
- “Eu queria crescer no banco e para isso, fazia o meu melhor. Mesmo as atividades que os colegas desdenhavam, eu assumia, pois sempre me preocupo com o andamento do todo, e não do individual, do meu. Eu tinha uma vida feliz, junto de minha família e amigos, tinha projetos, sonhos e trabalhava tranquila, ciente de minhas responsabilidades. Era bem avaliada e tinha a estima dos colegas. O ambiente de trabalho era bom e isso me deixava tranquila.
Com a chegada de um novo chefe, acima do meu gestor imediato, nossa vida (do grupo todo) virou um inferno. Os que conseguiram sair já foram embora. Éramos 22 e agora estamos em 17. E se eu conseguir, saio também, mesmo perdendo. Adoro a área em que trabalho e sou especializada para o tipo de atividade que executo.
Insistentemente esse chefe mina o ambiente: dissemina boatos, estimula rivalidades entre colegas, dá ordens aos gritos, interrompe e não considera a fala dos subordinados, desqualifica a todos nós. Isso ocorre todos os dias. Criou-se um estado de medo coletivo e ausência de forças para reagir. Até parece que ele tem alguma proteção que o garante na posição que ocupa. Seu histórico é de destruição de pessoas e não de gestão de pessoas em outras unidades por onde passou. Estamos sentindo isso na carne e nada é feito.
Eu era detentora de uma função técnica. Há alguns meses ele me chamou, junto com meu gestor, para uma reunião. Começou a falar em meu desempenho. Imaginei que seria um feedback e que eu iria crescer com suas observações. Nada disso. Tirou meu chão, me esculachou: eu era a pior das piores, fazia tudo errado, não servia para nada. Surpresa, aturdida, parecia que eu tinha levado um soco na boca do estômago. Baixei a cabeça e ouvi. Meu chefe permanecia silencioso. Tentando digerir as acusações e a desqualificação absoluta, me sentindo extremamente humilhada e procurando mentalmente meus erros, tomei coragem e disse: bem, então vou mudar meus procedimentos, vou assumir mais atividades (não sabia nem em que horário, pois meu dia já estava sobrecarregado). Ele me interrompeu abruptamente: “Maria, você não entendeu! Não há mais nada a fazer. Você está sem a função a partir de hoje. Sua função foi atribuída ao João, que queria sair daqui. Foi uma maneira de segurá-lo na área, já que é um empregado jovem e supereficiente”. Ele continuou falando, mas não ouvi mais. Consegui manter a postura durante alguns minutos e depois, mansamente, as lágrimas de raiva e de revolta rolaram pelas minhas faces. Uma dor terrível, um desejo de sumir dali. Meu chefe não me protegeu. Só disse, depois, que foi surpreendido, que não sabia e tampouco poderia fazer alguma coisa em meu favor. Anos de dedicação, toda a minha história na instituição tinha ido para a lata do lixo em questão de segundos. Esse sujeito não me conhece, não se deu ao trabalho de perguntar quais são as minhas atribuições, ou de discutir comigo ações para auxiliar em meu desempenho e desenvolvimento. Simplesmente despejou toda a sua ira, levantou e saiu da sala, sem me olhar.
Aparentemente sou eu o problema. No entanto, olhando para o grupo, vejo que este chefe trata a todos com desdém. Até parece que não é humano. Não tem nenhuma consideração pelos empregados e estabelece, por sua conta, as metas de todos, sem ouvir os gestores diretos dos empregados.
Para culminar com esse ambiente de profundo sofrimento e mal estar, na época de avaliação de desempenho, quem determinou as notas dos empregados foi ele, retirando tal prerrogativa das chefias imediatas. Todas as pessoas foram mal avaliadas, prejudicadas. Meu chefe tentou argumentar e foi desqualificado, recebendo a ordem de fazer o que lhe fora ordenado. Adoeceu e se afastou. Há um bom tempo está fora da empresa, em tratamento de saúde e sem perspectivas de retornar. Seu quadro parece grave e nada podemos fazer. Estamos mais órfãos ainda. Não encontramos coragem de fazer a denúncia, pois vemos outros casos, tornados públicos e sem nenhuma medida concreta para solucioná-los. Fomos silenciados; nos roubaram o entusiasmo e o futuro. Ir para o trabalho, dia após dia, passou a ser uma tortura. O que era meu sonho passou a ser meu pesadelo.
Nesse contexto de competitividade estimulada – direta ou indiretamente -, a percepção dos empregados é da multiplicação dos assediadores que, apesar do discurso institucional contrário, são legitimados pela instituição. Os resultados financeiros são o seu troféu. Nossas vidas não contam.”
REFERÊNCIAS
HELOANI, Roberto; BARRETO, Margarida. Assédio moral: gestão por humilhação. Curitiba: Juruá, 2018.
HERREROS, Gilles. La violence ordinaire dans les organisations : plaidoyer pour des organisations réflexives. Paris: Èrés, 2012.
HERTER, Anne-Véronique. Le cri du corps. Harcèlement moral au travail : mecanismes, causes et conséquences. Paris : Michalon, 2018.
HIRIGOYEN, Marie-France. Le harcèlement moral. La violence perverse au quotidien. Paris : La Découverte et Syros, 1998.
TOLFO, Suzana da Rosa; OLIVEIRA, Renato T. (Orgs.texto) Assédio Moral no trabalho: uma violência a ser enfrentada (cartilha). Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2013.
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