Viver ou sobreviver?

Viver ou sobreviver?

ENTRE O MARTELO E A BIGORNA: OS
EXECUTIVOS PRESOS NA ARMADILHA. Viver ou sobreviver?

BOUILLOUD, Jean-Philippe. Entre l’enclume et le marteau : les cadres pris au piège.: Paris : Seuil, 2012. (pp. 9–16).
Traduzido do francês por Vera Regina Roesler (autorizada pelo autor)

Os executivos de grandes organizações, tanto públicas como privadas, falam com frequência de seu trabalho em termos de “sobrevivência”. Não é que a morte real seja o verdadeiro jogo: a sobrevivência é inicialmente a da organização para a qual a perenidade jamais é assegurada. Sobreviver, é também permanecer nessa organização e não ser excluído, é continuar e ser apreciado, reconhecido, e poder se projetar no futuro. É enfim “encontrar uma saída” no dia a dia, se desvencilhar dos múltiplos conflitos e das competições cotidianas generalizadas, instaladas nos grupos pelo sistema gerencial; […]. Esta “sobrevivência organizacional” no cotidiano torna-se assim um jogo de sobrevivência psíquica, fisiológica e social, como se, o que está em jogo no trabalho, estivesse radicalizado, intensificado sobre um plano relativamente novo. […].

Esta situação leva a um deslizamento nas preocupações no mundo do trabalho, no qual às reivindicações tradicionalmente concretas (condições operacionais de trabalho, admissão de novos empregados, remunerações…) se colocam outras, menos materiais. As palavras empregadas hoje para falar dos problemas do trabalho, traduzem essa nova abstração: “sofrimento”, “assédio moral”, “desejo de reconhecimento” etc. O inimigo é mais inatingível do que nunca, e no entanto, mais perigoso porque ele não é uma “coisa” que pode ser isolada, designada ou denunciada coletivamente, mas que reside nas situações, nas configurações profissionais que suscitam animosidade, ressentimento, outros modos de ser e de comportamentos.

À abstração dos termos (mas que reenviam evidentemente a uma realidade de sentimentos) se coloca um outro universo de abstração, o ambiente econômico e financeiro, também inalcançável. Raramente metáforas da linguagem corrente estariam tão “situacionais”: o mundo do trabalho tornou-se uma espécie de meio que envolve, sufoca, uma mãe malvada e perigosa que ameaça a todo momento aquele que a afronta: é necessário “se sair bem”, “não se perder” etc. Trata-se agora do afrontamento do risco permanente e de uma luta contínua. A imagem gerencialista do capitão sobre o seu barco de regata deve ser interpretada além do clichê imediato: a vida dos executivos pode ser vista como um esporte, um jogo excitante, uma corrida apaixonada, mas é também, profundamente, uma vida perigosa na qual se confronta todo o tempo com um elemento hostil, na qual se pode conhecer casos de tempestade ou avaria, e na qual se corre permanentemente o risco do fracasso definitivo. Enfim, por trás do jogo amável e viril se distingue rapidamente um jogo de sobrevivência.

Nesse contexto numerosas organizações são obscurecidas por suas preocupações econômicas e abandonam ao Estado o cuidado de definir os limites através dos quais aprenderão a dimensão humana. Esta prevalência do meio sobre as pessoas é a chave de numerosas justificativas em matéria de estratégias (expansões, fusões, vendas de atividades) e de organização (redução de efetivos, integração pós fusão e etc.), e provoca ipso facto esse sentimento de abandono, ou sobretudo de ameaça permanente de abandono, que sentem inúmeros colaborados nas organizações.[…]

Ora, existe também, diante de tudo isso, um desejo. Viver supõe um desejar viver, um “desejo de ser” apesar de tudo. Sobreviver é opor uma resistência, isto é, efetuar um trabalho para “permanecer “, apesar de todos os obstáculos. Nietzsche dizia que “viver é reanimar qualquer coisa que quer morrer”. Há um sentido trágico nesta frase, mas ela supõe, no entanto, um movimento vital – diante desse tropismo mortífero, há aquilo que se lança, aquilo que surge em nós contra essa situação. O desafio dos colaboradores nas organizações, é de se proteger, psíquica e fisiologicamente, mas também organizacional e socialmente contra todos os elementos que desestabilizam permanentemente cada um dentre eles, sejam as modificações permanentes do contexto de trabalho e as regras de funcionamento de trabalho, o aumento incessante de resultados etc. […] Esses resultados, pelo qual os executivos são considerados responsáveis suscitam condições de trabalho que tendem a colocar cada um em uma sucessão de contradições e de círculos viciosos dos quais não é fácil de sair.

Nos anos de 1950, os psicólogos do grupo conhecido por “Escola de Palo Alto” exploraram a noção injunção paradoxal, a partir dos trabalhos de Russell sobre os paradoxos lógicos. A injunção paradoxal é uma “dupla ordem” que consiste em um sistema de ordens contraditórias às quais se é exigido a obedecer, e que instalam a pessoa na impossibilidade de corresponder ou de conseguir satisfazer à demanda formulada, como no caso típico da mãe que diz a seu filho “seja autônomo”: ela quer ser obedecida e demanda ao filho, ao mesmo tempo, que seja independente. Para Bateson, esta é uma das fontes “comunicacionais” da esquizofrenia pois coloca os indivíduos em uma perspectiva de fracasso inelutável do qual eles vão procurar sair escapando do real. Os trabalhos de Bateson referiam-se essencialmente à família, mas nas organizações atuais essas injunções paradoxais se multiplicam e, tal a mãe “paradoxante”, as instituições demandam a seus executivos de ser, por exemplo, fiéis servidores e empreendedores autônomos etc. Quando as injunções paradoxais se multiplicam, quando são camufladas por trás das exigências racionais de resultados, o seu efeito pernicioso é reforçado e os executivos ficam diante de um sofrimento difuso, lancinante, e utilitárias, tentando juntar os termos opostos das requisições que lhes são feitas.

Fala-se há muito tempo da saúde no trabalho, das condições de vida desejáveis ou regulares. Quando se pensa verdadeiramente que “isto não é uma vida”, subentende-se também que não está longe de um jogo complexo: não se trata de um mal-estar momentâneo, nem do desaparecimento de um luxo ou do supérfluo que está em questão, mas daquilo que determina as condições de uma existência possível. Giorgio Agamben (1999) lembra que uma das palavras latinas para designar “o testemunho” é superstes, o sobrevivente. Viver não é “viver sobre”, não é somente “viver depois”, ou “viver quase” – é também testemunhar. Esse termo de sobrevivência não traduz uma simples desesperança diante da banalidade de uma violência que aparece quase inelutável, de tanto que é difundida; reflete também uma situação de época e testemunha de uma constatação: a de um jogo vital, nos numerosos casos, de situações de trabalho. Sinais modernos desse jogo são, de maneira emblemática, os suicídios no trabalho em grandes empresas ou instituições como France Télécom, Renault e outras que desafiam a crônica e mostram cruamente a degradação das condições de existência nas grandes empresas modernas. Alguns não conseguiram sobreviver. Esta degradação é particularmente sensível para os executivos nas grandes organizações e esse fenômeno parece ser observado em toda a Europa. Na França os executivos não estão longe de serem os únicos atingidos pelo suicídio e os estudos mostram que apresentam uma taxa de suicídio mais fraca que os operários e sobretudo que os agricultores. Mas o fenômeno é suficientemente novo e marcante para que suscitem interesse pois diz respeito a populações até o presente consideradas privilegiadas.[…]

Em efeito durante longo tempo as empresas relativamente protegeram seus executivos; ora, não é mais o caso hoje, e a única diferença em relação aos outros trabalhadores reside nos níveis salariais, nas responsabilidades jurídicas e nas expectativas da hierarquia, notadamente sobre os resultados. Encurralados diante de suas responsabilidades e, logo, a seu fracasso quando não conseguem mais encarar a situação, o executivo pode se encontrar em uma grande solidão que nada, ou poucas coisas podem alterar. Nessas circunstâncias, quando não há mais recursos ou espaço para contrabalançar as dificuldades cotidianas e assediadoras, para escapar violentamente da situação ansiogênica que se tornou insuportável, o executivo reúne suas últimas forças retornando em direção a si, a violência que a organização pratica contra ele.

Resistir nesse contexto é difícil. Não aceitar, para um executivo, as condições objetivas do seu trabalho (incontáveis horas não remuneradas, injunção a resultados em um contexto geralmente difícil e competitivo, disponibilidade permanente por e-mail e telefone, exigência de evolução permanente etc.), é afirmar sua diferença sob uma forma percebida frequentemente como uma rebelião: romper com esse contexto e suas regras não se pode fazer, a não ser através de uma crise, um ato que é então um ato de “resistência”. Ora, como em todas as situações de resistência, aquela em que um indivíduo pode se apoiar em redes informais ou agir em certa clandestinidade, mas raramente aparecer publicamente: a instituição rejeita e sacrifica aqueles que fogem da raia com a ajuda dos que estão sempre prontos a defendê-la, e com a autoridade e a norma em vigor.

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